PRIVATIZAÇÃO: Um abismo


- 2 de março de 2017 | - 12:02 - - Home » » »

Não é recente que na história política do Brasil a palavra “privatização” tem sido repetida nas manchetes televisivas. Vasculhando as redes sociais, encontrei na revista eletrônica Prosa Verso e Arte, o poema de José Saramago, cujo título é: “Privatize-se tudo!”. Nele, vemos como ironicamente o poeta esboça o repúdio à desestatização do que é, por natureza, patrimônio humano. Ao observar o ano de edição utilizada na matéria, 1996, o escritor português nos mostra o quanto era evidente o interesse de tornar os serviços públicos, um bem pertencente aos grandes empresários.

Previamente, acredito ser necessário discutir uma questão que é, para mim,um problema cultural. É bem verdade que no Brasil existe, por assimilação ideológica do caprichoso interesse burguês, uma falsa concepção do que é nosso. As empresas estatais, ou seja, as entidades criadas pelo Estado para exercer atividades de utilidade pública, não são consideradas patrimônio da sociedade. O que é público, torna-se, portanto, do “outro”, em outras palavras: de qualquer um. Não existe a preocupação em ter zelo pelo que pode ser considerado meu e que, como objetivo da sua criação, abrange a coletividade.

Nota-se, então, como os serviços públicos em sua totalidade, atento especificamente para área da educação e saúde;são rechaçados e, por descrédito, deixados de lado. É comum ouvir “a educação pública do país é ruim”; “os postos de saúde vão de mal a pior”; “os serviços públicos são de péssima qualidade”, entre outros discursos comuns que tem como finalidade justificar a privatização dos espaços públicos para, assim, oferecer qualidade no serviço. Sem perceber ou por impiedade àclasse trabalhadora, falas como essas povoam o senso comum e acabam naturalmente validando as “vantagens”da privatização.

Antes de tudo, não quero afirmar que vivemos em circunstâncias de perfeita qualidade dos serviços públicos, no entanto, parece ser uma resistência da população em conceber o que é estatal como bem comum. O argumento falacioso, ou seja, a noção enganosa de qualidade na prestação de serviço, através da privatização, preenche a fala daqueles que a defendem com “unhas e dentes”. Todavia, se assim fosse, não haveria um quantitativo gigantesco das reclamações no Brasil destinadas às empresas telefônicas, de comunicação, das grandes companhias de cartões de crédito e outras corporações privadas.

Com foco somente nos atendidos, ou seja, na comunidade, não podemos deixar de lado a forma de admissão dos funcionários, nesse caso, beneficiados em duas instâncias. Quando se é estatal, a empresa tem como obrigação realizar o acesso ao espaço por meio de vias legais e às claras; refiro-me aos contratos temporários por seleção oficial e concursos. No entanto, se houver a apropriação dessas empresas, as decisões, em qualquer nível, ficam centralizadas na figura de quem mais detém o capital, com isso, o conhecido “apadrinhamento” dilui qualquer tipo de transparência.

Tornando-se totalmente privado, a empresaque, deve oferecer recursos mínimos para sustento social; passaa competir com as demais e, como é natural do sistema econômico baseado nos bens de propriedade e produção particular, reproduz um modelo mercantil, trocando em miúdos: exerce atividade comercial.Assim, existe a formação da competição empresarial que fomenta a busca pelo lucro, deixando de lado a “justiça social, equidade e tolerância”, conforme visto no artigo “Performatividade, privatização e o pós-Estado do Bem-Estar”, do estudioso Stephen J. Ball, disponibilizado na internet e traduzido para o português.

Atentando-nos, assim, para o contexto local, antes de falar a partir da bolha financeira que protege a subsistência familiar particular, avalie se a privatização da Companhia de Saneamento de Sergipe – Deso será benéfica para todos. Sem temor, posso concluir que não, pois a única finalidade da concentração dos bens dos serviços que, devem por obrigatoriedade serem administrados pelos Estado, só causará transtornos, pois a atenção maior será destinada à obtenção do lucro, ou seja, o que era de direito torna-se um trabalho comprado.

Desse modo, quando as estatais são privatizadas, há dificuldades da classe trabalhadora ao acesso, pois, assim como uma atividade comercial exige que o consumidor tenha capital para fazer uso dos seus atendimentos, será preciso que a comunidade compre serviços básicos. Portanto, a privatização além de enfraquecer o poder do Estado, ela promoverá o aumento da taxa básica e, como consequência, nem todos poderão ter acesso.

Por: Daynara Côrtes
Graduanda em Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Possui experiência de dois anos no trabalho docente com o tema: "Diversidades, estereótipos e preconceitos: os temas 'o negro' e 'a mulher' na sala de aula". Nessa mesma proposta de ensino, trabalhou com a aplicação da Lei 10.639/03 e da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Atualmente, além de participar da manutenção do “Blog Língua Dinâmica: ideias e sugestões para o ensino de Língua e Literatura Portuguesas”, desenvolve pesquisarelacionada às Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, no tocante aos temas: ensino, literatura, história, memória e sociedade
Enium Soluções Digitais

Deixe seu comentário!