HISTÓRIAS DO SERTÃO: BENÇA MADINHA ZEFA


- 11 de março de 2019 | - 9:48 - - Home » » » »

por Manoel Belarmino

De azul a matriarca Zefa da Guia – Poço Redondo.

“Bença madinha Zefa”. Esta fala se escuta repetidas vezes na casa de Dona Zefa, na comunidade quilombola de Serra da Guia, em Poço Redondo. São os inúmeros afilhados da líder religiosa, conselheira, rezadeira, parteira e quilombola Zefa da Guia. Dona Zefa da Guia representa o protagonismo da mulher no beatismo nordestino.

Ai da igreja no sertão não fosse as mulheres. Não fosse as beatas mulheres. O cristianismo católico no sertão deve muito aos leigos e leigas, gente simples e pobre economicamente. Antes da presença mais sistemática dos padres, antes das paróquias com suas estruturas burocráticas, a Igreja-comunidade já estava ali formada. Primeiro a Igreja-comunidade se formou, depois as paróquias foram instaladas.

No sertão sergipano, a Igreja viveu quase sem padres. Em algumas povoações, o padre aparecia apenas uma vez no ano. Quem sustentava a Igreja nas comunidades e povoações distantes eram os leigo(a)s: conselheiro(a)s, beatos e beatas, razadeiras, benzedeiras, catequistas, eremitas. A Igreja-comunidade reunia-se nas festas, nas novenas, nas romarias, nos folguedos, nas rezas de Semana Santa, nas promessas… nas rezas de sentinelas, visitas de cova, acompanhamentos, na devoção dos santos. Leilões e mutirões de solidariedade, construção de capelas, construção de moradias, construção e limpezas de cemitérios. Limpeza de cacimbas, aberturas de estradas, de tanques.

Quase sempre são as mulheres que rezam o Santo Ofício, as incelências, as rezas de sol, as rezas de “inspinhela”, de vento caído, de mau olhado, e também a cura de cobra. Lembro-me de Dona Anita, devota fiel de Nossa Senhora da Conceição e benzedeira. Dona Zefa da Guia na sua casinha de oração mantém a imagem de Preto Velho e do Padim Cícero (Santo Canonizado pelo povo). O terreiro de Dona Zefa na Guia vai além do território quilombola. Quantas mulheres grávidas que, mesmo morando longe, antes de fazer o pré-natal no posto de saúde procura consultar Dona Zefa para ouvir os seus conselhos. Quantos afilhados, quantos compadres e comadres! Quantos filhos e filhas! Quantas bênçãos! A parteira tradicional que “pegou” incontáveis meninos neste sertão de Poço Redondo.

O beato Pedro Batista da Santa Brígida ao seu lado teve Madinha Dodô e tantas outras, o Santo Padre Cícero Romão Batista teve ao seu lado a beata Maria de Araújo e tantas outras, o Antônio Conselheiro em Canudos também teve as beatas ao seu lado, que, com a mesma fé fervorosa na salvação rezavam, também acreditavam na vida comunitária e pegaram na armas para defender o território. Maria do Rosário (a primeira) liderou seu povo do Território de Maria do Rosário em Poço Redondo por mais de oito décadas. E tantas outras mulheres se tornaram líderes na religião, na política e no comunitário, nas comunidades e regiões deste sertão. Além de serem sustentáculos da igreja, conservando e fortalecendo a fé do povo sertanejo, eram as vozes do povo sofrido. Eram lideranças comunitárias e em alguns momentos lideranças políticas.

É clara a liderança exercida pelas mulheres na história do cristianismo católico no sertão. Mesmo vivendo numa sociedade patriarcal essas mulheres encontraram na religião um espaço para a liderança social. Isso dava à mulher um empoderamento incontestável. A Igreja oficial estruturou-se ou estrutura-se com homens padres. A Igreja real, a Igreja-comunidade dos rincões nordestinos estruturou-se quase sempre com o protagonismo beato da mulheres. Raramente, aparecem documentos oficiais da igreja sobre as mulheres e sobre a Igreja-comunidade, as beatas, os beatos e os leigos do catolicismo popular nordestino.

– Louvado seja, Nosso Senhor Jesus Cristo!

– Pra sempre seja louvado!

– Bença, Madinha Zefa!

– Deus o abençoe!

Por: Redação Mais Sertão
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