Em tempos crescimento exponencial da violência urbana e consequente supervalorização midiática dessa mazela, grande parte de nossa população acaba pondo em “xeque” os direitos humanos. São de uso crescente expressões como: “Direitos humanos só servem para bandido” ou “tá com pena? leve para casa”! Afinal, para que servem ou a quem servem os Direitos Humanos? Seriam tais direitos extensivos a todos?
Primeiramente é interessante que se analise o vocábulo “direitos humanos”. Vê-se, evidentemente, que são direitos que qualquer indivíduo possui, simplesmente por ter a condição humana, logo, devem ser expandidos a todos, indistintamente. Tais direitos são positivados na Constituição de nosso país sob a rubrica de Direitos e Garantias Fundamentais. Basicamente é essa a diferença básica entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Enquanto aqueles são de plano internacional, estes são de feição interna. São os famosos direitos decorrentes dos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade. Em suma, são direitos civis e políticos, sociais, econômicos e culturais, que devem ser respeitados, sob pena de se violar a ordem constitucional e, sobremaneira, internacional.
Assim, torna-se evidente que tais direitos não se restringem somente aos criminosos, como muita se veicula. Mas o que leva as várias pessoas a pensarem de tal forma? Não seria um paradoxo “pessoas humanas” negarem “direitos humanos”? Para que se descubra a resposta a essa pergunta e a tantas outras que dela se desdobram, faz-se necessário descobrir qual o fundamento nuclear dos direitos humanos e quem são esses “humanos”.
Hodiernamente, é pacífica a ideia de que os direitos humanos se fundamentam no conceito “Dignidade da Pessoa Humana”. O grande problema de tal fundamento, dizem os teóricos críticos dos direitos humanos (a exemplo de Boaventura de Sousa Santos) reside no fato de que a concepção de dignidade da pessoa humana varia de cultura para cultura, mas isso é desconsiderado, uma vez que a concepção de dignidade que se impõe ao resto do mundo é totalmente ocidental, sobretudo no pós 2ª Grande Guerra. Tem-se aí um grande choque entre o Universalismo dos direitos humanos (que tende a impor a visão ocidental de direitos humanos) e o Relativismo Cultural (a necessidade de respeitar a autodeterminação dos povos e suas respectivas culturas). Para os críticos dos direitos humanos, é necessário que se crie uma noção multicultural de direitos humanos numa tentativa de autocomposição dessa problemática.
Outro ponto nevrálgico da questão dos Direitos Humanos é a definição do que é ser humano e quem são esses humanos. Tais interrogações são abordadas de forma magistral pelo falecido sociólogo Zygmunt Bauman, para quem a sociedade de consumo cria “estranhos” que são excluídos socialmente, devido a sua incapacidade produtiva e de consumo. Tais estranhos acabam marginalizados, criando verdadeiras ilhas de pobreza nas ruas e fomentando, às vezes, a violência urbana. Em contrapartida, o tratamento que o Estado confere a tais “sub-humanos” é a repressão violenta e, em grande parte, violação de direitos humanos, em que pese o fato de se ausentar, sobretudo na promoção de direitos sociais.
Talvez aí se encontrem os grandes problemas de se enxergar com bons olhos os direitos humanos. De um lado, tem-se o problema da multiplicidade de sentidos que podem ser atribuídos à dignidade da pessoa humana, seu próprio fundamento. De outro, tem-se a flagrante ideia de nem todos são humanos, sendo alguns relegados à condição de sub-humanos. É preciso que ultrapassemos tais barreiras em busca de um objetivo maior, qual seja a real eficácia dos direitos humanos a, de fato, todos os humanos. Quem sabe assim possamos um dia ter uma concepção universal de direitos humanos que, contudo, respeite as diversidades culturais.